sexta-feira, 2 de novembro de 2012

Manuel António Pina 1943-2012




«As palavras (o tempo e os livros
que foram necessários para aqui chegar,
ao sítio do primeiro poema!)
são apenas seres deste mundo,
insubstanciais seres, incapazes de compreender,
falando desamparadamente deste mundo.
As palavras não chegam,
a palavra azul não chega,
a palavra dor não chega.
Como faremos com tantas palavras? Com que palavras e sem
                                                                               [que palavras?
E, no entanto, é à sua volta
que se articula, balbuciante,
o enigma do mundo.
Não temos mais nada, e com tão pouco
havemos de amar e ser amados,
e de nos conformar à vida e à morte,
e ao desespero, e à alegria,
havemos de comer e de vestir,
e de saber e de não saber,
e até o silêncio, se é possível o silêncio,
havemos de, penosamente, com as nossas palavras construí-lo.
Teremos então enfim, uma casa onde morar,
e uma cama onde dormir,
e um sono onde coincidiremos com a nossa vida.
Um sono coerente e silencioso,
uma palavra só, sem voz, inarticulável,
anterior e exterior,
como um limite tendendo para destino nenhum,
e para palavra nenhuma.»


A obra poética (1974-2011) de Manuel António Pina está reunida no volume Todas as Palavras, publicado em 2011  pela Assírio & Alvim.


O nº 1098 do JL - 31 de outubro a 13 de novembro - retrata e evoca o poeta; divulga dois textos inéditos e inclui as crónicas de António Carlos Cortez e Valter Hugo Mãe sobre o autor.
O jornal está disponível na biblioteca.





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