sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

Mario Vargas Llosa



«Quem renuncia à sua vocação por razões práticas, comete a mais imprática idiotice»

Sempre que o mais recente laureado com o Nobel da Literatura (2010) é instigado a revelar alguns dados acerca dos seus mais íntimos e peculiares processos de criação literária, a resposta não se faz esperar: «a escrita tornou-se quase uma respiração». Mas, discorrendo mais demoradamente sobre o tema, o autor justifica o seu percurso e a sua obra como um caminho árduo e sinuoso, pleno de recomeços. Numa longa e comovente conversa com os seus leitores, mais tarde publicada (conferência proferida na Washington State University, 1968), Vargas Llosa revela que são sempre as experiências pessoais (vividas, sonhadas, lidas) que disparam a história. Ainda que nem o próprio autor «possa escutar facilmente esse coração autobiográfico que palpita em toda a ficção», porque disfarçado se oculta, não é possível separar a literatura da vida. E porque a literatura é como fogo e uma arma contra o conformismo (discurso de entrega do prémio Rómulo Gallegos, 1967), só é possível levar este empreendimento a bom termo quando se vive como se fossemos imortais, segundo as suas próprias palavras.
Vivendo uma vida que nunca se deixa de viver.
Como o próprio conta, tendo começado a trabalhar aos dezasseis anos, desempenhou inúmeros ofícios e acumulou empregos para se conseguir sustentar, perseguindo com disciplina, mas com entusiasmo, esse desígnio maior: tornar-se apenas escritor. Foi bibliotecário, crítico de cinema, animador radiofónico, funcionário camarário (conferindo os nomes nas campas de um cemitério local) muito antes de ingressar na universidade. Oriundo de um país pobre e iletrado, afirmou-se desde cedo como um leitor precoce e ávido. Guardou desses anos inúmeros cadernos e diários de notas e memórias pessoais que, mais tarde, reconheceu terem configurado a génese e muitos dos traços dos personagens dos seus primeiros contos e novelas. Contrariando as expectativas da família que esperava vê-lo destacar-se como um proeminente advogado – tendo em conta o seu indomável espírito de contradição e alguma aversão às matemáticas – o jovem estudante escolheu as Humanidades. Convidado para professor assistente de Literatura, aceitou uma bolsa de estudos para doutoramento em Madrid, optando, no entanto, por uma carreira de jornalista que lhe permitiu prolongar a sua permanência na Europa. Reconhecido imediatamente após a publicação do seu primeiro livro de contos, que viu premiado, contando apenas 22 anos, Mário Vargas Llosa é autor de uma prolífica obra que se estende por distintos géneros literários (romance, novela, teatro, ensaio). Embora tenha ganho grande notoriedade como escritor nunca abandonou o jornalismo publicando crónicas e reportagens (quase sempre textos de crítica social e política) em jornais de referência em todo o mundo. Detentor de inúmeros prémios e distinções, já consagrado até pela coragem das suas posições públicas de carácter cívico (como no caso da contestação da invasão do Iraque pelas tropas norte-americanas), insiste em sublinhar que o faz como escritor e não como político. Sendo conhecidas as suas posições de teor assumidamente liberal (leia-se, alinhadas com os quadrantes centro-direita e pelos quais concorreu ao cargo de Presidente da República, e que perdeu), Llosa defende como lema máximo o valor das ideias e a liberdade de espírito. Nesse sentido, toda a cultura de liberdade invoca como princípio inalienável, a liberdade do indivíduo. Provavelmente, porque sem este desiderato, não poderíamos – ainda que numa sociedade tendencialmente global – configurar o direito a uma vida pessoal, distinta e única. A única vida que permite, ainda que utopicamente, ser vivida como se fossemos imortais.
Uma vida que nunca se deixa de viver.

professora Guadalupe Gomes


As obras estão disponíveis da biblioteca

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