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Males da Escola Pública (*)


Há já algum tempo, o Jornal Público publicava uns gráficos sobre a evolução dos rankings das escolas (ensino secundário) entre 2002 e 2010. Embora viessem confirmar aquilo que todos sabíamos, a sua análise não deixa de nos incomodar e de despertar alguns momentos de reflexão.

De facto, em 2002, 60% das escolas do TOP 50, nesse ranking, eram escolas públicas. Em 2006, ainda ocupavam esse TOP cerca de 54%, mas em 2010 já só se encontravam nesse TOP 26%. Ou seja, nos primeiros quatro anos há um decréscimo de seis pontos percentuais das escolas públicas em relação às escolas privadas, enquanto que nos últimos quatro anos esse decréscimo é de 28% (!..).

Não tendo intenção, neste texto, de analisar ou discutir as virtudes ou defeitos dos rankings escolares, o certo é que há aqui dados que não nos podem deixar indiferentes.

O que está a acontecer nas escolas públicas nos últimos anos que justifique esta situação? O que mudou de tão significativo para justificar tão grande descida?

Uma análise deste tipo requer uma profunda reflexão. Há imensos factores, com certeza, que terão contribuído para o facto. Por limitação de espaço farei breve referência a, apenas, dois que em meu entender têm contribuído, e se nada for feito em sentido contrário, irão agravar ainda mais esta situação.

O primeiro factor está relacionado com um clima de instabilidade e de incerteza que assentou arraiais na escola pública nos últimos anos, fruto de uma profusão legislativa, muitas vezes contraditória, complexa, mal elaborada e complementada por séries de circulares explicativas que continuamente perturbam a vida dos gestores escolares, do pessoal administrativo e dos professores. A escola pública padecia de muitos males, é certo, e era urgente curar alguns deles, mas para que isso acontecesse ter-se-ia de partir não só de um bom diagnóstico como da aplicação do fármaco apropriado, contando para isso com a colaboração do doente. Se, por um lado, o diagnóstico não foi bem feito, a forma como, consequentemente se tem tratado o doente tem-lhe causado, em meu entender, males bem piores. O clima de instabilidade e de incerteza cresceu imenso após 2005 causado por um governo que mais parecia interessado em conquistar a opinião pública do que em reformar verdadeiramente a escola, desafiando, afrontando e ferindo intencionalmente toda uma classe profissional. Este proselitismo desnorteado e muitas vezes pseudo moralista dos principais responsáveis pela educação em Portugal apenas serviu, e continua a servir, para a criação de um clima contínuo de suspeição entre o Ministério da Educação e as escolas e em nada favorece os verdadeiros interesses educativos da escola pública.

O segundo factor está relacionado com a falta de autonomia das escolas públicas. Apesar de um discurso descentralizador, o certo é que o poder centralista e burocrático foi crescendo disfarçado, por vezes, de pequeninas delegações de poderes, mas sempre supervisionadas e direccionadas, por “preocupados” e solícitos técnicos das DREs.

Na escola pública não é possível aos gestores e aos professores atenderem a situações contextuais, gerirem curricula e tempos lectivos de acordo com necessidades reais de cada situação. E não é possível porque o Ministério não confia nem nas escolas nem nos seus gestores.

Apesar disso, as escolas públicas continuam a ter nos seus quadros excelentes profissionais, pessoas dedicadas que, apesar de todas as contrariedades, estão sempre dispostos a dar o melhor de si pelos seus alunos. Não creio, pois, que as escolas públicas não saibam o que fazer para serem melhores, para terem melhores resultados.

Aquilo que a escola pública hoje mais precisa para que volte a ocupar o lugar que por direito lhe pertence, é de condições de estabilidade interna, de elevar os níveis de motivação dos seus actores e de desenvolver processos ajustados às situações contextuais em que decorrem as suas actividades para, dessa forma, poder responder eficazmente às necessidades da sua comunidade educativa. Aquilo de que verdadeiramente a escola pública hoje mais precisa é de uma verdadeira, ampla e responsável autonomia.


professor Manuel Moreira  
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(*) MOREIRA, Manuel, "Males da Escola Pública" [em linha] in Viver Sintra, 2010 [Consult. 10.Jan.2011]. Disponível em http://viver-sintra.blogspot.com/2011/01/males-da-escola-publica.html

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