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Quando o Pessoa ia de férias
Quando o pessoa ia de férias para a praia da rocha
não perdia tempo a olhar para as gaivotas. Na pensão
em que ficava limitava-se a olhar para os papéis que
tinha trazido de Lisboa; e enchia-os de apontamentos
que teria de usar mais tarde, como ele sabia
que faziam outros poetas sobre os quais tinha lido nas revistas
inglesas que chegavam de barco a Lisboa, e
desfolhava na livraria com os dedos
minuciosos de um empregado de comércio. Mas na praia
da rocha, onde não chegavam barcos de Inglaterra
carregados de livros, mas apenas barcos de pesca que ele
via da janela da pensão, quando olhava para o mar,
a única coisa que podia fazer era tomar esses apontamentos
que enchiam as gavetas do seu armário de Lisboa
e que se tornavam inúteis porque não tinha tempo para os reler,
e acabaria por meter numa arca, e só de olhar para ela
ficava cansado ao pensar em tudo o que lá estava metido,
e que nunca teria tempo para corrigir. Na
praia da rocha, porém, o pessoa não pensava em gavetas
nem em arcas, e limitava-se a afastar o olhar da janela
porque aquele mar com ondas fazia-o sentir-se numa ode
marítima, e ficava enjoado só de olhar para o movimento
das marés e das gaivotas. Não sei se é esta a razão que
me faz não ir à praia da rocha, onde os hotéis e os prédios
foram crescendo por cima das pensões e das vivendas onde
o pessoa ia passar as férias. Talvez se tudo aquilo fosse
deitado abaixo o pessoa surgisse de dentro das ruínas,
e olhasse à sua volta com o ar de quem procura os
papéis que ali fora escrevendo quando ia de férias para
a praia da rocha. Mas hoje, se o pessoa olhasse para
o mar, as gaivotas ainda lá estão, as ondas ainda se
sucedem umas às outras, e só os barcos de pesca são
cada vez menos, tal como os poetas nas janelas para o mar.
Nuno Júdice, Quando o Pessoa ia de Férias, poema inédito,
in Pessoa, Revista de Ideias, nº 3, Junho 2011,
Publicação Casa Fernando Pessoa/Câmara Municipal de Lisboa,
Edição bilingue.
A revista está disponível na biblioteca.
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