sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Afonso Cruz






A propósito do encontro com o escritor Afonso Cruz...

O que distingue a descrição de uma sala feita com recurso à palavra de outra que utiliza o desenho, a fotografia ou ainda a imagem em movimento?

                Esta foi uma das várias questões feitas a Afonso Cruz sobre a sua obra, num encontro animado a propósito dos seus livros, que teve lugar na Escola Secundária Leal da Câmara, dinamizado por professores e alunos de literatura e promovido pela Biblioteca Escolar em parceria com a CMS.
                Figura de valor reconhecido internacionalmente pela sua atividade criadora multifacetada, que concilia o prazer da escrita com a ilustração, a música, o cinema de animação, Afonso Cruz, tomando como exemplo a sala, assume que, no processo de criação, a realidade será sempre objeto de diferentes representações, de acordo com a especificidade de cada uma das linguagens utilizadas para a representar.
Neste contexto, poder-se-á inferir que a escrita será, certamente, aquela que mais dificuldades suscitará em termos de reprodução do espaço evocado, não só pelo seu carácter inefável, pela incapacidade de, por si só, «dizer» a realidade, mas também pela multiplicidade de leituras subjetivas que evoca no recetor de acordo com a sua experiência e com o seu horizonte de expectativas.
                Mais do que representar ou reproduzir o real, Afonso Cruz considera a escrita uma forma de questionar a realidade, de refletir sobre ela; de explorar diferentes pontos de vista, adotando ângulos de visão diferenciados, que vão levar à superação de estereótipos ancestrais repetidos ao longo dos tempos, para suscitar novas perspetivas de abordagem e pôr em confronto novas ideias e formas diferentes de olhar.
                Foi este o grande contributo que Afonso Cruz partilhou com os seus leitores de forma natural e espontânea. Seduzidos, durante a leitura, pelo carácter inusitado de alguns títulos dos seus livros (Jesus Cristo bebia cerveja; Para onde vão os guarda chuvas?; Os livros que devoraram meu pai; Assim, mas sem ser assim…; O pintor debaixo do lava-loiça…), os alunos tiveram a oportunidade de perceber, confirmar e de questionar acerca do efeito revelador e misterioso assumido pela palavra. Mais do que a confirmação de respostas ou certezas, puderam perceber nos livros lidos, e dirigidos a diferentes faixas etárias, várias questões que os intrigaram sobre temas tão díspares como a religião, o amor, a ciência ou a própria humanidade com as suas contradições intrínsecas.
                Conduzidos pela escrita, através da escrita de Afonso Cruz, os participantes nesta sessão, tal como a protagonista da obra O Livro do Ano, foram levados a usar o seu «jardim na cabeça» para não entrarem na escola das «pessoas normais» e poderem, deste modo, conceber/perspetivar novas possibilidades de encarar o mundo em que vivem.
                Foi certamente um encontro interessante e motivador entre este escritor e os seus leitores, onde muitas perguntas ficaram ainda por fazer, à semelhança do que provavelmente acontecerá ao escritor, na relação que mantém com o seu público através das suas obras.

professora Teresa Lucas



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