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Newton Gostava de Ler (3)






A leitura desta obra insere-se no contexto da realização do Módulo IV - Nanomundo, do projeto Newton Gostava de Ler que teve lugar na biblioteca a 12 de março pelas 10 horas.
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“Porque é fácil de ver: não são as coisas que são temporárias, são os investigadores que são temporários.
Newton morreu, como é sabido, mas as coisas que ele viu não. (E às coisas que ele viu, às suas transformações, os vivos chamam agora outros nomes.)"
                    
Gonçalo M. Tavares, Enciclopédia 1-2-3. Relógio D’Água. 2012
           

                A partir da leitura deste fragmento, poder-se-á inferir que o conhecimento é fruto da interação do Sujeito sobre o Objeto, numa tentativa de o compreender e explicar. Esta atitude de questionamento da realidade por parte dos investigadores reflete uma maneira científica de pensar, que visa alcançar a ilusão da Verdade, acrescentando, desenvolvendo, fazendo avançar o conhecimento na procura do Novo.

                Deste modo, a ciência progride com a lucidez de que faz parte intrínseca da natureza do próprio conhecimento questionar a ordem das coisas e, por isso, o cientista procura permanentemente novas explicações, para responder aos novos desafios resultantes do progresso da ciência. O conhecimento gera mudanças, transformações que exigem criatividade e imaginação para fazer pensar em novas hipóteses, que vão dar origem a novas teorias científicas e a novos instrumentos necessários à apropriação dessa nova realidade.

Podemos, então, afirmar que o desejo de conhecer e de explicar a realidade serve-se da linguagem para fazer avançar a ciência, usando-a para alcançar a Verdade. Ao contrário do que se poderia supor, a objetividade e o rigor exigidos pelo método científico pressupõem outras características que se pensa serem exclusivas do mundo da cultura e das artes, como a literatura. As fronteiras entre a ciência e a literatura parecem esbater-se, uma vez que ambas recorrem à criatividade para gerar ideias novas e criar algo novo.

O Senhor Henri de Gonçalo M. Tavares é o exemplo de, como através da linguagem (literatura), é possível abordar temas da ciência.

Neste livro, o segundo da coleção «O Bairro», o leitor é confrontado com a ideia da temporalidade do saber, em busca do verdadeiro conhecimento, guiado pelo Senhor Henri, o protagonista, que se autocaracteriza como sendo «muito cerebral», muito bem informado, detentor de um vasto conhecimento enciclopédico, que partilha com todos os que o querem ouvir no estabelecimento onde passa a maior parte do tempo.

Ao longo da leitura, através das várias reflexões e associações que a personagem vai estabelecendo, é sugerida uma maneira científica de pensar, usada pelo Senhor Henri para questionar a essência das coisas e valorizar a dúvida na procura de explicações suscetíveis de fazer avançar o conhecimento através da exploração de novos factos.

                Considerando que a aquisição do conhecimento dá que pensar, este personagem defende, assim, a existência de «um sistema geral do pensamento» - o absinto, a sua «teoria do mundo» – o qual, a partir da vasta informação enciclopédica de que dispõe, o leva a subverter os padrões instituídos e a criar uma «realidade melhor», com novos conceitos - bolsos de calças que estejam preparados para levar líquidos, por exemplo.

O absinto está para o Senhor Henri como a imaginação (a criatividade), o pensamento (a razão) estão para o cientista: representa o estímulo, o incentivo que põe em causa toda a erudição, o saber pré-concebido para estabelecer novas conexões, criar novas teorias: «as pessoas que têm azar não deixam de ter sorte” ou ainda “nos dias que correm aprende-se por todos os lados do corpo

Em síntese, podemos considerar que no livro O Senhor Henri literatura e ciência confluem, esbatendo-se a antinomia objetividade científica versus criação subjetiva, pois ambas valorizam a criatividade como atitude que conduz à (des) ocultação do real:

"Muito deve a literatura
ao absinto,
Em qualidade, muito mais
Que ao tinto..."

                          Alexandre O´Neill

professora Teresa Lucas



O livro está disponível da biblioteca.
Cota: 821.134.4 TAV



Este post também está publicado aqui.

Comentários

  1. Obrigada, Teresa, pelo excelente texto que aqui nos ofereces, de grande pertinência para uma aula de filosofia de 11º ano no âmbito da revisibilidade científica e de outras questões ligadas à ciência. Bem hajas! Manuela Martins

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