Que povo é este que entre a fome, a doença e o analfabetismo inventa a meio do século XIX uma música para alimentar as almas, fortalecer os corações e manter vivo o pensamento? Que povo é este que inventa uma música para aprender o sentido das palavras, conquistar acontecimentos, exorcizar a dor, festejar amores? Que povo é este que preserva a palavra Saudade e Fado sabendo que não chegarão todas as palavras do mundo para lhe encontar uma definição? Que canto é este que, mais do que fazer-se ouvir ou sentir, nos dá a ver a alegria ou a dor, o alcatrão ou as árvores, o sangue e a água, a terra e o céu, a noite e o dia? Que canto é este sem princípio nem fim, transbordando de virtude e de pecado, mas libertando-se para além, de uma e do outro, que atirou para a eternidade um país aparentemente solitário? Que canto é este que nos afasta o nariz do chão, nos liberta, nos amplia a visão e a escuta, nos coloca frente a frente inteiramente expost...