Afonso Cruz
A propósito do encontro com o escritor Afonso Cruz...
O que distingue a descrição de uma sala feita com recurso à palavra de
outra que utiliza o desenho, a fotografia ou ainda a imagem em movimento?
Esta
foi uma das várias questões feitas a Afonso Cruz sobre a sua obra, num encontro
animado a propósito dos seus livros, que teve lugar na Escola Secundária Leal
da Câmara, dinamizado por professores e alunos de literatura e promovido pela
Biblioteca Escolar em parceria com a CMS.
Figura de valor reconhecido
internacionalmente pela sua atividade criadora multifacetada, que concilia o
prazer da escrita com a ilustração, a música, o cinema de animação, Afonso
Cruz, tomando como exemplo a sala, assume que, no processo de criação, a
realidade será sempre objeto de diferentes representações, de acordo com a
especificidade de cada uma das linguagens utilizadas para a representar.
Neste contexto, poder-se-á inferir
que a escrita será, certamente, aquela que mais dificuldades suscitará em
termos de reprodução do espaço evocado, não só pelo seu carácter inefável, pela
incapacidade de, por si só, «dizer» a realidade, mas também pela multiplicidade
de leituras subjetivas que evoca no recetor de acordo com a sua experiência e
com o seu horizonte de expectativas.
Mais
do que representar ou reproduzir o real, Afonso Cruz considera a escrita uma
forma de questionar a realidade, de refletir sobre ela; de explorar diferentes
pontos de vista, adotando ângulos de visão diferenciados, que vão levar à
superação de estereótipos ancestrais repetidos ao longo dos tempos, para
suscitar novas perspetivas de abordagem e pôr em confronto novas ideias e
formas diferentes de olhar.
Foi este o
grande contributo que Afonso Cruz partilhou com os seus leitores de forma
natural e espontânea. Seduzidos, durante a leitura, pelo carácter inusitado de
alguns títulos dos seus livros (Jesus
Cristo bebia cerveja; Para onde vão os guarda chuvas?; Os livros que devoraram
meu pai; Assim, mas sem ser assim…; O pintor debaixo do lava-loiça…), os
alunos tiveram a oportunidade de perceber, confirmar e de questionar acerca do
efeito revelador e misterioso assumido pela palavra. Mais do que a confirmação
de respostas ou certezas, puderam perceber nos livros lidos, e dirigidos a
diferentes faixas etárias, várias questões que os intrigaram sobre temas tão
díspares como a religião, o amor, a ciência ou a própria humanidade com as suas
contradições intrínsecas.
Conduzidos pela escrita, através
da escrita de Afonso Cruz, os participantes nesta sessão, tal como a protagonista
da obra O Livro do Ano, foram levados
a usar o seu «jardim na cabeça» para não entrarem na escola das «pessoas
normais» e poderem, deste modo, conceber/perspetivar novas possibilidades de
encarar o mundo em que vivem.
Foi certamente um encontro
interessante e motivador entre este escritor e os seus leitores, onde muitas
perguntas ficaram ainda por fazer, à semelhança do que provavelmente acontecerá
ao escritor, na relação que mantém com o seu público através das suas obras.
professora Teresa Lucas
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